Currículo
Escolar: algumas reflexões
“... As disputas pelo currículo –
sobre quais experiências serão representadas como válidas ou qual língua ou
história será ensinada – são inquestionavelmente permanentes.” (Michel W.
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Muito embora a escola como instituição seja um
produto da era moderna, ela nem sempre teve a mesma estrutura que conhecemos
hoje. A primeira ideia de currículo, no sentido de organizar a experiência
escolar de um grupo de alunos em um documento, data do século 17; no entanto, o
"currículo", como o entendemos hoje é uma invenção formatada apenas
no século 20. Elizabeth Macedo, professora de currículo do programa de
pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e
uma das autoras do livro recém-lançado Teorias de currículo, descreve e analisa
esse período e seus principais marcos históricos que fizeram do currículo
brasileiro o que ele é hoje.
Segundo ela, para muitos autores
a concepção sobre a necessidade de decidir o que ensinar no Brasil foi
impulsionada pela industrialização americana no início do século 20 e, mais
fortemente, pelo movimento da Escola Nova na década de 1920. Isso porque o
desenvolvimento industrial e urbano trouxe a demanda de que a educação formasse
pessoas adaptadas para trabalhar nesse novo mundo. Surge o questionamento: se
os conhecimentos na escola precisam ter uma utilidade para os alunos, o que
precisa ser ensinado? "Os escola-novistas trouxeram essa questão do
aprender a aprender, pensando na escola, em vez de centrada no conteúdo, focada
no processo de aprendizagem. Isso era uma grande luta entre a ideia anterior,
de que eu precisava ensinar coisas para a criança virar adulta, e a nova, de
que estou ensinando uma criança e o processo de ensinar é lidar com o dia a dia
desse sujeito", explica Elizabeth.
Campo de disputas
Essa luta permanece até a década
de 1950, sempre tendendo para a convicção de que a escola precisa formar um
tipo de indivíduo bem definido, e que uma educação eficiente se traduz em
conseguir prever que tipo de formação os jovens vão ter. A partir desse momento,
com o fortalecimento do Inep - hoje Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, à época Instituto Nacional de Pedagogia - foram
trazidas teorias e experiências americanas por meio de uma série de campanhas e
parcerias, especialmente no campo da matemática e das ciências. Chega ao Brasil
a teoria de Ralph Tyler, que une o eficientismo social de Franklin Bobbitt e o
progressivismo de John Dewey, e que perduraria por cerca de 20 anos no país.
Ela consiste em um procedimento de quatro etapas, conforme detalha o livro
Teorias do Currículo: definição de objetivos de ensino, seleção e criação de
experiências de aprendizagem apropriadas, organização dessas experiências de
modo a garantir maior eficiência ao processo de ensino, e avaliação do
currículo. De acordo com as autoras, o que une essas três teorias é a
prescrição curricular: "Em todas elas, é enfatizado o caráter prescritivo
do currículo, visto como um planejamento das atividades da escola realizado
segundo critérios objetivos e científicos".
Nos anos 70, em pleno regime
militar, o Brasil centrou sua educação em modelos americanos basicamente
técnicos, conforme descreve Elizabeth. Isso significa definir metas e, a partir
dessas metas, tentar estabelecer processos mais eficientes para alcançá-las.
"Esse modelo foi importado no mundo inteiro, e passamos a viver da
prescrição americana. Tínhamos laboratórios de currículo que trabalhavam nos
estados e municípios para definir um currículo e fazer treinamento de
professores para implementá-lo", conta.
A redemocratização na década de
80 trouxe a influência do pensamento marxista e se traduziu em duas correntes
no campo do currículo: os "conteudistas", com a "Pedagogia
Histórico-Crítica" de Demerval Saviani, e Paulo Freire, com a preocupação
"culturalista". Os primeiros regeram um amplo processo de renovação
curricular nos estados e municípios, muitos deles vigentes ainda hoje, com o
princípio da responsabilidade da escola como promotora do crescimento do
indivíduo por meio das interações sociais e da quebra da reprodução de
conteúdos que serviam apenas às classes dominantes e à manutenção das
desigualdades sociais. Em outro paralelo, na linha de Paulo Freire defendia-se
que a educação não consistia em substituir os saberes dos alunos por novos
considerados mais úteis e importantes, mas em levar em conta o conhecimento e a
experiência dos jovens no processo de aprendizagem. "O currículo de São
Paulo de 1989, implementado por Paulo Freire, é um exemplo dessa perspectiva,
com a ideia de não fazer um guia curricular, mas de trabalhar com as redes
nesse processo de produção conjunto", afirma.
Novas perspectivas
Apenas em 1996, com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aconteceu a primeira tentativa de definir
diretrizes curriculares no Brasil. Esse documento foi relativamente genérico,
já que trazia poucas especificidades, e acabou sendo incorporado apenas
parcialmente por estados e municípios. Na mesma época, em 1997, foram
publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), mais detalhados, porém
não reconhecidos oficialmente pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) como
currículo nacional e, por isso, não obrigatório. Assim como a LDB, os PCNs
assumiram o papel de orientadores curriculares. É importante ressaltar que
nenhuma das teorias de currículo, mesmo as da virada do século 19 para o 20,
morreram completamente, e partes, mesmo que mínimas, de seu pensamento e/ou
técnica foram remontadas no que conhecemos hoje por currículo. As novas
diretrizes curriculares, aprovadas entre 2009 e 2011, atualizam a LDB e os PCNs
e são compulsórias a todas as escolas e redes do país. Como já foi apontado,
até o fim de 2012 o Ministério da Educação (MEC) promete complementar essas
diretrizes com uma série de expectativas de aprendizagem.
Fonte
Teorias de currículo, de Alice Casimiro Lopes e
Elizabeth Macedo. Cortez.